Havia o banco do parque, havia André e não havia mais nada. O rapaz estava sentado ali havia um bom tempo, costas levemente curvadas para frente, mãos de palmas unidas e guarnecidas entre as coxas, que se comprimiam como quem quer se esquentar, apesar do clima ameno de vinte e poucos graus que fazia ali.
Ele olhava para frente, mas não olhava para nada. Às vezes uma folha se mexia para cá ou para lá ao vento, ou um passarinho rapidamente descia ao chão, bicava uma ou duas vezes o passeio de cimento cru e alçava voo de novo. As poucas árvores ao redor, velhas, de troncos grossos e de casca escura, nada faziam, como é de se esperar de uma árvore. Nos espaços de terra nua, nem uma formiga. O único som que ouvia era o do vento, que raramente vinha tirar o aspecto de fotografia da paisagem e lhe dava segundos de movimento e áudio.
Sem que a visse chegar, uma mulher sentou-se no banco a um braço de distância de André. Ela era muito branca, magra e dos lábios finos. Os cabelos levemente ondulados desciam apenas até os ombros, mas não tinham um corte definido. Parecia que ela os tinha deixado crescer à toa e se conformou com o resultado até ali. Vestia uma camiseta de algodão preta e justa, uma calça de linho também preta e uma sapatilha preta de verniz de bico arredondado. Se fosse preciso adivinhar, dava pra se dizer que ela tinha acabado de sair de um lugar formal, mas tinha falhado miseravelmente em se arrumar para a ocasião.
Com os dedos, cinco gravetos ossudos na extremidade da mão, ela envolvia a alça de uma pequena maleta de couro, também preta, de dois palmos de comprimento e menos de um de altura. Os detalhes da alça e da fechadura eram dourados, o único ponto que divergia da dualidade preto-roupa-branco-pele dela. Ao se sentar, ela apoiou a valise no colo e a abriu, alheia ao fato de André observá-la sem discrição.
De dentro da maleta, a moça tirou dois tubinhos metálicos e os rosqueou cuidadosamente, montando uma flauta transversal maravilhosa. Não havia marcas, arranhões, sinais de batidas, mancha ou gordura. Em suma, daria para dizer que se tratava de um instrumento novo em folha. Finda a montagem, ela olhou diretamente nos olhos de André, como se soubesse desde o começo que era fitada, e começou a tocar.
A melodia era densa, apesar da sonoridade suave e relaxante da flauta. As notas se sobrepunham e se quebravam, e sabe-se lá de onde ela tirava fôlego para tocar tantas de uma só vez. Ela tombava o corpo para frente e para trás, no ritmo da música, de forma pendular, e em pouco tempo fechou os olhos, consumindo o próprio produto a que dava vida. Sem se dar conta, André começara a balançar o corpo da mesma forma e as mãos, antes escondidas entre as pernas, pousavam sobre as tábuas que faziam o assento do banco.
A música parecia uma súplica. A voz de alguém que pede socorro cantando suas mágoas e pedindo para ser resgatada. Um choro contido, sem a amargura do desesperado, mas com a tristeza de quem reconhece que pede ajuda sem saber se será ouvido. André fechou os olhos e notou que já murmurava a canção. Ela era cíclica, apesar de longa, como um refrão que se repete e gruda, mas que não enjoa.
Em determinado momento, André abriu os olhos e só ele cantarolava. Aparentemente, a flautista já havia encerrado sua apresentação particular havia um tempo e o rapaz fazia seu solo. Ele se envergonhou da situação, e mais ainda quando percebeu que a mão direita, que antes estava no banco, apoiava-se com delicadeza na coxa de sabiá dela.
A mão recuou por reflexo e o rosto queimou em vermelhidão também sem seu controle. Ela resolveu falar:
- Fique tranquilo, André! Não tenha medo... Meu chamo Cida e estou intencionalmente te hipnotizando.
Enquanto ele trocava a timidez pela surpresa de uma desconhecida saber seu nome, a moça abria um sorriso modesto e começava a inclinar o corpo ainda sentado na direção dele.
Nesse momento, André começou a detalhar os traços de Cida e rapidamente chegou à conclusão de que ela era linda. Ele a desejou, de coração. Compreendeu, sem que nada fosse dito, que ganharia um beijo daquela deusa a sua frente e relaxou o corpo, para se entregar. Nenhum dos dois fechou os olhos na aproximação. Ele também passou a tombar o corpo na direção dela, mas mais vagarosamente. Ambos sorriam. Ambos estavam na mesma frequencia. Ambos cantarolavam a música funesta, no mesmo compasso.
- Cida, deixe o garoto!
A harmonia foi interrompida bruscamente por uma voz masculina grave, levemente rouca.
- Téo! Você foi mais rápido desta vez... - devolveu Cida.
O casal sentado voltava à posição inicial de antes da flauta começar a ser tocada, ela com naturalidade, ele visivelmente embaraçado.
- Você é namorada dele? Olha, senhor, eu não quis... Digo, eu não tive intenção... Quero dizer, não aconteceu nada, é que... Cida, o que se passa? Senhor, me desculpe, mas eu...
- Fique tranquilo, não vou fazer nada com você. - tranquilizou Téo, cortando de vez as frases já recortadas que saiam da boca do jovem.
- Cida, vou tomar sua companhia um tempo. - ele continuou, e aparentemente a moça não se incomodou, já que respondeu com um sorriso e um aceno de cabeça. - Venha, rapaz! Vamos dar uma volta e conversar um pouco.
André fitou o homem em pé a sua frente. De meia altura, pele escurecida pelo sol, barba por fazer e vincos no rosto, daqueles que estão mais para vales que armazenam experiência do que dobras que entregam a velhice, o homem lhe sorria. Téo não parecia um nome que combinava com o que via. Na ideia de André, "Téo" não tem cabelos grisalhos.
Sem saber exatamente o porquê, assim como tudo desde que se deu conta que estava sentado naquela praça, o rapaz obedeceu e se levantou. Antes de dar o primeiro passo, pôde notar que o parque estava movimentado com esquilos, pássaros, joaninhas, lagartixas e toda a sorte de pequenos animais.
Cida fez questão de se despedir:
- Tchau, André! Será que nos veremos de novo?