Esperança renovada

E no dia em que a NASA encontrou indícios de água em Marte, eu encontrei indícios de amor onde antes parecia não haver mais traços de flor.

Há um ano

Há um ano, em uma noite clara como a de hoje, colunas iluminadas de água subiam e desciam empolgadas, fazendo o papel de dançarinas sobre o palco de espelho d'água que o lago propiciava. Indiferentes aos expectadores, as bailarinas ainda assim enchiam de alegria os olhos deles.

Em volta do lago, as árvores contemplavam o baile. Ao sabor do vento leve daquela noite, elas mexiam apenas as folhas altas de suas copas, semelhante aos fios rebeldes de cabelos penteados que se desprendem a qualquer brisa leve. Particularmente, meia dúzia dessas donzelas do reino vegetal deixaram de acompanhar a dança das águas e observavam um jovem casal sentado a seus pés.

A moça era uma morena dos traços delicados, que sorria a todo momento entre a dúvida do que estava acontecendo e a surpresa da descoberta, que só gerava uma nova esperança de ser encantada pelo próximo movimento do rapaz que a acompanhava. Os olhos cintilavam desde o momento em que a toalha foi estendida sobre a grama, e o que de dia pareciam duas jabuticabas, naquela noite lembravam duas estrelas de um céu noturno sem nuvens visto em mar aberto. Ela era isso: felicidade e brilho destilados e engarrafados em um corpo feminino adorável.

O rapaz tentava ser notado como líder do espetáculo: fazia as vezes de apresentador, dizendo a ela o que faziam ali; de mágico, tirando de dentro da bolsa que trouxeram uma infinidade de coisas aparentemente desconexas, mas que montaram o cenário mais lindo que as árvores haviam presenciado nos últimos tempos; de palhaço, entretendo a moça, arrancando risos gostosos e sinceros; de ator, fazendo-a chorar e o beijar.

Apesar das aparências, a experiência da observadoras da cena era centenária. Elas podiam sentir nele o medo e a insegurança, mas pautados pela alegria plena. Ele não queria que ninguém percebesse, mas elas puderam constatar como ele tremia. Seu coração, disparado, era quase a orquestra regendo a dança das águas. Mais um pouco acelerado e poderia se dizer que não se tratava de uma orquestra, mas uma escola de samba! Os olhos fixos na garota buscavam aprovação constante e, para sua satisfação, a obtinha em todos os passos.

Os dois trocaram conversas, trocaram promessas, trocaram beijos. Trocaram partes do coração, um guardando o pedaço recebido do outro dentro do prório. Comeram queijo, tomaram vinho, tomaram as mãos um do outro, tomaram-se entre os braços. Amaram, sem saber ou sem querer assumir. Não fizeram amor; amaram, da forma mais pura e sublime.

Se fosse possível para sua natureza, as colunas d'água bailarinas parariam e bateriam palmas. As árvores, derramariam lágrimas de emoção. Os poucos pássaros que sobrevoavam a região, parariam sobre os ombros-galhos delas e cantariam em harmonia. A lua daria uma piscadela de aprovação e as estrelas reluziriam de forma alternada, igual a uma fachada enfeitada de Natal.

Há um ano, eles se deram conta de que estavam namorando.

Coração de menina

Do alto dos seus quase trinta anos, ela se fez pequena, se fez menina, e falou com pureza de coração:

"...é que eu gosto de você!..."

Vi uma garotinha de vestido rosa rendado olhar para cima segurando uma caixinha de sapato infantil docemente adornada com a simplicidade e a falta de destreza que só uma criança consegue ter. Dentro, um coração cor-de-rosa luzia, onde as batidas eras pulsos cintilantes partindo de dentro de um diamante rosado, quase translúcido.

Tremi. Eu não sou digno dessa peça. Sou um colecionador, não um adorador. Essa frágil pedra preciosa merecia um altar a ser visitado diariamente com reverência real, incensos, flores e amor. Os presentes que recebo ficam em estantes na parede principal da sala, à vista de quem passa. Cada um carregam uma história, uma lembrança, uma pessoa e uma tristeza.

Aflito, tomei a caixinha nas mãos e agradeci com um beijo carinhoso na testa dela. Conversamos mais um tempo, enquanto ela aos poucos voltava a ser mulher. Quando a noite terminou de cair, fomos dormir.

Antes que ela acordasse, levantei da cama, me arrumei e parti. Deixei a caixinha com o adorável coração sobre a mesa, aberta, iluminando minha retirada. Em um papel que encontrei na gaveta da sala, usando uma caneta Bic vermelha que estava ao lado do caderno de rascunho, desenhei e preenchi meu coração: rabiscado, irregular, estranho, não-bonito. Logo abaixo, a nota de despedida:

"Você merece muito mais do que esse coração esquisito que tenho para dar. Fico extremamente feliz em ter me dado o seu, mas não sou capaz de aceitá-lo. Dê para alguém que de fato vai cuidar desta joia como ela merece."

Antes de fechar a porta a minhas costas, tirei uma foto do lindo presente recusado para enquadrá-la e colocá-la em um porta-retrato na estante da sala de casa.

Bons.tapas

Eu.leio.também

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